terça-feira, março 21, 2006

Durma!...

Por pior que seja no começo, tem certas coisas que vão sendo esquecidas. Não porque não se queria mais nelas pensar, mas é só o caso de estarem já tão distantes, tão fora do contexto atual, que pensar nelas nem sentido faz mais, e assim esqueço; o que poderia trazer sofrer, não aparece...
Por vezes (só às vezes), quando se levanta a cabeça, e lá em cima o céu, vem a lembrança do que estava adormecido e junto o seu incômodo...

Dia desses, isso me aconteceu.
Fiquei o dia todo (na verdade, três) me lembrando e cutucando lá no fundo a memória, numa espécie de balancete sem lógica qualquer fora da minha cabeça.
O tanto pensar e lembrar resultou em conseqüência: sonhei (de verdade. Daqueles sonhos que a gente tem quando o corpo tá todo cansado, mas a cabeça ainda teima em matutar) com uma realidade que seria minha, mas que nem chegou a existir quando outras decisões foram tomadas.
Se o sonho fosse ruim, talvez me sossegasse. Mas não o foi.
Estranho perceber, mas gostei muito daquilo com que sonhei, da “realidade paralela” que me fez feliz no sono mais do que sou acordada.
Tarde demais...

segunda-feira, março 20, 2006

Junto

Estes dias que passaram foram estranhos...
Doença, hospital, falsos prognósticos amedrontadores, mais hospital...
Cansaço físico, exaustão emocional.
Se para a gente já é difícil levar tudo isso, o que se dirá para quem já virou a casa dos 80?
Seu corpo fraco poderia sucumbir, mas continuou lá, firme, apesar de tudo o que acontecia, mesmo sob todo o peso que carregava.
Não estou falando do meu avô, este que estava doente e já se restabelece. Falo de sua mulher, sua companheira (sem qualquer tom piegas) leal.
Minha vô, que por dentro deveria estar esmigalhada, só chorava longe dele, escondendo as lágrimas para não assusta-lo ainda mais.
Na mudança de hospital, momento mais crítico disso tudo, em meio ao medo de todos, lá vi a minha vó, vindo pelo corredor, elegante em rosa, passos curtos e rápidos, calada, bonita, olhar preocupado, juntando forças para não se abalar ainda mais.

E continuou lá por todos esses dias, literalmente ao pé da cama, servindo ao seu marido. Não porque sentisse que tal fosse sua obrigação ou dever, mas porque não poderia nem conseguiria fazer outra coisa qualquer longe dali enquanto ele também não estivesse fora.
Transformou-se em sua sombra e pôde ficar cada vez mais próxima ainda; a menos de dois passos qualquer que fosse a necessidade a ser prontamente atendida.
Fico eu pensando que também ela continuou lá porque nem ela mesma sabe se ela continuaria na ausência dele.

sexta-feira, março 10, 2006

Não mais...

De repente, já não gostava mais. Ou melhor, já não bastava mais.

Foi parecido com leite: tomei a infância toda. Dois ou três copos por dia.
Minha mãe fala que eu sempre gritava: “Mãe! Quero leite com toddy; quente no copo, escutou?” E permanecia gritando enquanto ela não dissesse que tinha escutado, ou me trouxesse o leite com toddy, quente no copo...
Mas aí, um belo dia, decidi que não gostava mais de leite. Podiam pensar que era o toddy, ou o quente, ou o copo, mas a verdade é que já não gostava mais de leite fosse ele servido puro, com café, frio ou na xícara. Simplesmente deixei de tomar.
Engraçado que, ao mesmo tempo, foi crescendo minha vontade e meu gosto por requeijão, iogurte e queijos. Até hoje ainda é assim. Esvazio mais de um copo de requeijão por semana e posso comer meio queijo fresco numa única sentada.

Às vezes quando penso na minha relação com os produtos lácteos, percebo que, de certa forma, cresci.
É certo que o gosto de hoje em dia é ainda bastante infantil, principalmente em se pensando que a-do-ro danoninho (com bis esfarelado no meio, melhor ainda!), mas passei a gostar do leite em suas formas mais elaboradas e refinadas.

E de forma coerente, foi sendo assim também em outras esferas.

Vejo que não me bastam somente as coisas em sua forma original dotadas de um ou outro apetrecho mais ou menos refinado.
Prefiro aquelas que vão se fazendo aos poucos, obedecendo a etapas que precisam ser cumpridas para que haja o tempo necessário para a fermentação, o cozimento, a decantação ou mesmo o processo de coalho, que transformam a matéria inicial nela mesma só que em outra coisa.

Na verdade, o que não me vale mais são os pré-requisitos básicos, eles, sozinhos.
Demora muito até, às vezes, para eu perceber isso, mas é certo que gosto bem quando eles passam por processos que, ainda que não lhes tire a essência, mexem e alteram de algum modo o seu estado inicial e os deixam assim: mais saborosos e apetitosos, cheios de acréscimos e de complementos, bem ao gosto meu de hoje em dia.
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