quarta-feira, outubro 27, 2004

Segredos ao megafone

O banheiro da Faculdade de Educação deve ser um dos lugares que exalam o cheiro mais insuportável neste campus. É horrível!
Como passo aqui o dia todo, acabo tendo que usa-lo vez ou outra..
Já fiquei me perguntando se o problema é falta de limpeza, excesso de falta de higiene de quem usa ou algum problema com as instalações de esgoto. Torço pra que seja a última opção, mas não tenho tanta certeza disso...

Não bastasse o cheiro por vezes insuportável, o banheiro daqui sofre do problema da pichação. Explico: ninguém entra aqui com tinta spray em mãos para rabiscar as paredes fracas e pobres do banheiro, as meninas entram só com um estojo e com ele fazem a festa!
Já li discussões das mais diversas, desde “dar ou não no primeiro encontro”, “nunca tive orgasmo, tenho problemas?”, “Deus existe?”, “é clitóris ou clítoris?”, até “estamos na melhor universidade do país e vocês rabiscam toda e qualquer parede”!
Sério! É o fim! As pessoas rabiscam por se julgarem indignadas com a pichação!
Mas se estou aqui escrevendo isso é porque da última vez em que usei o banheiro da Faculdade uma nova pichação me chamou a atenção: em letras verdes garrafais (Isso não é ambíguo, é duplo sentido mesmo: o verde era garrafa, mas o tamanho da letra também pode receber esse adjetivo), uma aluna se apresentava dizendo ser bi e procurar outra garota para amizade ou namoro. Não deixou nenhuma descrição mais detalhada a não ser sua origem étnica e o período em que estuda. E isso é que me deixou pensando no assunto: Por que é que alguém revela um segredo íntimo a tantas pessoas quanto será possível o banheiro receber a visita antes de as palavras serem apagadas? Se quer mesmo revelar seu segredo por que é que não colocou logo seu nome ou uma descrição mais precisa que permitisse às demais encontra-la?
Pode parecer especulação demais de minha parte, mas o comportamento desses escritores de banheiro é sempre parecido. Vão até o sanitário, escrevem seus segredos com o intuito de que os outros leiam-nos, mas desejam, de maneira antagônica, manter-se no anonimato. Fico pensando em quão carentes e tristes são estas pessoas que precisam se extravasar na parede de um banheiro, que esperam a leitura e/ou o comentário de um desconhecido para se sentirem mais à vontade de um problema que lhes aflige, com uma intimidade que não sabem compartilhar com aqueles que são seus íntimos.
Mantidas as proporções, escrever suas intimidades na porta de um banheiro público pode ser comparado a estes serviços de atendimento pessoal à distância em que as pessoas ligam para vazar seus problemas a um desconhecido, esperando somente que alguém do outro lado possa lhes escutar.
Fico então apreensiva. E nem sei se é por ver tanta gente fazendo de problemas, que poderiam ser simples, grandes obstáculos para uma vida mais tranqüila, ou se é porque me alarma perceber que os bons amigos, aqueles para os quais você se sente à vontade para contar seus segredos e problemas, estão deixando de existir para muita gente.

segunda-feira, outubro 25, 2004

Animalia

Na Biologia que estudei no colégio, seres simples eram somente os protistas, os moneras e os fungos, cabendo às plantas e aos animais a classificação de seres complexos.
Não sou planta, mas como boa representante do reino animalia, do filo chordata, classe mammalia, ordem primata, família hominidae, gênero homo, espécie homo sapiens sapiens sou um ser complexo.
Nunca escondi isso, mas também nunca me atendei com mais cuidado para o fato de que pertencer a essa classificação pudesse representar tantos problemas...
A crise da qual falo hoje começou a mais ou menos duas semanas. Já houve desespero, vontade de nada fazer e uma crise compulsiva e incabível de choro angustiado. Chorei sem saber o motivo do choro e era só ouvir a minha voz de novo que lá vinha mais uma vez um balde de lágrimas. Agora tô aqui, quem sabe no fim do tormento deste mês, esperando, resignada, que eu me anime um pouco ou que me afunde de vez em outra crise de choro...
Só mesmo um ser complexo pode apresentar crises quase que mensais sem o quê ou porquê. Só mesmo um ser complexo pode se afundar e se levantar de uma dessas crises tendo absoluta certeza de que outras virão e que a chave para delas sair não existe.

quinta-feira, outubro 21, 2004

Escolhas...

Estava sentada em um dos últimos bancos do ônibus. Num ponto, entram uma senhora e duas meninas. Mãe e filhas.
O cheiro da bolacha com recheio de morango, o queixo da mãe nos cabelos de uma das filhas ou a mão da outra na mão da mãe? Não sei, mas um destes três fatos se juntou à melancolia que venho carregando e tive que me desdobrar para não chorar, ali, sozinha, no fundo do ônibus, na Vital Brasil.

Dizem que a vida são nossas escolhas, que tudo o que temos vem do que fazemos, que tudo o que queremos ter depende do plano que executamos hoje.
Parece-me simples demais!
É claro que a vida que a gente acaba por levar reflete algumas decisões e escolhas que fizemos ou fazemos, mas pouca gente considera as indecisões, as palpitações do coração, as escolhas às quais nos submetemos sem pensar se as escolheríamos de fato sem pudéssemos pensar melhor, por mais tempo.
De certo modo gosto da vida que levo e acredito que fiz boas escolhas, mas não é raro me pegar a pensar no “universo paralelo” em que tomei decisões e fiz escolhas diferentes daquelas defendidas e encaminhadas no passado recente.
Se se considerar outras escolhas já me parece loucura, fico mais insana ainda quando tento encontrar uma razão, uma relação ou uma solução para agrupar às minhas escolhas coisas às quais tive de abdicar em favor a outras decisões.
Aqui não entra só a pouca grana que tenho e sempre terei por ter escolhido uma profissão não muito rentável; aqui não entra somente o meu lamento por ter que pegar um ônibus lotado ao fim do dia, sem a menor perspectiva de ir para casa dirigindo meu próprio carro; aliás, aqui também não entra somente o apartamento pequeno e velho para onde vou ao fim do dia e pelo qual pago uma pequena fortuna de aluguel. Sei muito bem que aqui cabe muito mais a falta de um colo de mãe ao final de um dia tenso, um bom beijo de despedida que não nos permitimos, um pedido risonho do sobrinho para brincar do que quer que seja.
Sei não! Se a vida são escolhas, não há sincronia nelas, e se não há como ocorrerem em sintonia as nossas escolhas acabam sendo aceitas pelas metade, se tanto.
Se a vida são escolhas, hoje, preferiria ter aquilo que elas mesmas, escolhas, escolheram me deixar sem.
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